Autonomia privada

por TR em quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Escrevi há tempos neste mesmo blogue um pequeno texto sobre a relação entre a autonomia privada e o Estado(http://jornal-tribuna.blogspot.com/2007/12/referia-h-tempos-pacheco-pereira.html). Retomo pois a temática, deixando uma muito breve nota. O tema é presente, é premente e, creio que sem qualquer dúvida, é urgente de se levantar ao debate.

1. Dizia um ilustre professor na nossa casa, em plena prelecção, que para se fritar um sapo não bastava deixá-lo cair na frigideira. Claro está que não: o animal é elástico, nervoso, e perante tão súbita alteração do estado natural reagiria, saltand0. O segredo era outro…Passava por ir aquecendo (ao de leve, claro está!) a dita frigideira e ir colocando o sapo, devagarinho, talvez deixando cair umas gotículas de água que o refrigerassem, que reduzissem a sua tortura. O sapo não reparava na nossa operação e, nós, com a sapiência e argúcia de humanos, cozinhávamo-lo.

2. Assim também parece acontecer na relação entre o Estado e os cidadãos. A regulamentação atentatória da autonomia privada é bastante mas, talvez por ter vindo ao de leve, com a dita argúcia e sapiência que caracteriza o humano e, a fortiori, o legislador, não suscita uma reacção da comunidade. O Legislador caminha no sentido de aprovar actos normativos para o bem dos particulares, embora face a estes heteronomamente surgidos. Os particulares aceitam, crentes de que tal será o melhor; ou talvez se resignem, não vislumbrando qualquer possibilidade de agir.

3. Nesta temática, no plano doutrinal, diz-nos um ilustre professor de direito civil: “As pessoas têm de ser autónomas na realização dos seus fins. O Estado não se lhes pode substituir nem impor o que se afigure aos seus órgãos ser o próprio bem dessas pessoas, ou para prosseguir finalidades sociais. Todavia, a autonomia pressupões por natureza limites para ser relevante na ordem jurídica global. A autonomia privada não exclui as regras – não escapa ao direito”, Oliveira Ascensão, Direito Civil Teoria Geral, Volume I, cit., pág. 13

Talvez tal afirmação hoje se veja diluída de significado: veja-se a ASAE, a sua relação com toda a produção alimentar artesanal, com os pequenos cafés, enfim, com pequenas realidades que, cada vez mais, nos surgem; veja-se o caso da lei do tabaco; veja-se a regulamentação excessiva a que estão sujeitas diversas IPSS; … Pequenas faúlhas deste imenso incêndio que alastra no ordenamento jurídico civil. E o debate, talvez pelo modo como toda esta realidade surgiu, não existe na sociedade civil. O debate sério, construtivo, substancial.

Resta clamar ao vento, esperando pacientemente que o mesmo sopre em outro rumo…

8 comentários

Devo confessar Tiago, o inicio do teu texto é demasiado descritivo para a minha sensibilidade medricas! Tadinhos dos sapos, devo dizer, é cozinhados, é feitiços ;)

Quanto à lei do tabaco, viva! ASAE, preso por ter cão e por não ter...

by White Castle on 18 de fevereiro de 2008 às 21:47. #

Caro Tiago antes de mais tenho de concordar com a White Castle e dizer que este tipo de tortura não se devem fazer aos pobres dos sapos... Coitados dos animais, tem direito a viver em paz e não a ser massacrados!!!

Quanto ao texto, se bem percebi (e perdoa-me se tiver percebido mal, mas é que tu escreves e dás uma série de voltas mas não especificas bem o teu ponto de vista ou então sou eu que já estou deveras desgastado dos Exames) tu criticas a Intervenção estatal na Autonomia Privada, que a teu ver está a ser demasiado rigorosa. Bem quanto a isto eu acho que o Estado está a fazer muito bem dado que há sempre interesses colectivos superiores que se impõem á das entidades Privadas e tu sabes muito bem que pela vontade das Entidades Privadas não haveria respeito nenhum por aquilo que é de todos, ou seja isto seria uma Selva onde o mais forte impunha sua regra a outros...

A lei do Tabaco foi uma bênção que este Governo criou e levou avante, pois já era mais do que hora de acabar com esta falta de respeito por quem não fuma... Eu depreendo (não querendo fazer uma critica maldosa para contigo) Tiago é que ainda és muito "novo" no que concerne ao Direito e ainda tens uma visão muito redutora das coisas... Talvez mais tarde quando estiveres a aproximar do final do curso perceberás melhor o porque destas leis que ferem a Autonomia Privada tais coimo a lei Anti tabaco e a fiscalização da ASAE e por ai adiante...

Saudações Portistas!!!

by Pedro Silva on 20 de fevereiro de 2008 às 01:03. #

quanto ao tabaco, distingo duas realidades: 1. por um lado, quanto à origem: parece-me que deveria ter surgido por iniciativa dos particulares. Mas, aceitando que os mesmos estão numa posição de desigualdade, que não conseguem fazer ouvir a sua voz bem,que há um interesse público superior (que só deverá ser o respeito pela salubridade pública) pode o Governo arvorar-se de legitimidade para produzir este Decreto-Lei.
2. Questão diferente é a da lei em si. Há que provar que a proibição total de fumar num espaço público é a única solução possível...Ou se há alguma mais proporcional. Que parece haver...os fins não justificam os meios: no mesmo sentido, os fins de respeito pela saúde pública não justificam a interdição total de fumar.

Quanto à ASAE, distinguem-se novamente dois problemas:
1. O que a ASAE representa: legislação que surge quase inusitadamente, que impõe práticas que, ao contrário do que o Direito deveria prescrever, não se coadunam com a realidade e a cultura local. Impedir a produção das alheiras de sempre, do chouriço de sempre, do queijo de sempre; obrigar a cumprir algumas normas de higiene desprovidas de sentido; enfim...Barrar ao consumidor a possibilidade de aceder a produtos que sempre desejou, em condições de produção que sempre aceitou, em meios de disposição do produto para venda que nunca considerou desajustados. Cada vez mais parece que tudo isto surge porque sim.
2. A ASAE enquanto entidade: em vez de uma postura pedagógica, uma postura altiva: o desconhecimento das leias não aprouva a ninguém - de tal não se podendo valer os pequenos produtores; no entanto, parece que o bom-senso deve presidir à actuação de uma entidade que procura fazer valer normas, no mínimo, estranhas.
ASAE, presa por cão e por não ter: sim, não discuto o mérito de muitas destas normas que, sem dúvida, surgem com boa finalidade; discuto aquelas (normas e práticas) que, de tão absurdas, levam a por em causa, ainda que injustamente, toda a acção da ASAE.
Perante o que está mal, há que agir. E um preso por ter cão e por não ter parece-me uma fuga facil :P

saudações

by TR on 20 de fevereiro de 2008 às 11:58. #

Caro Tiago, como já deves saber nenhuma Lei é perfeita e como tal elas vão sendo modificadas ao longo dos Tempos e vais ver que esta lei do Tabaco será alterada a seu tempo, contudo a meu ver acho que esta lei está muito bem como está, porque primeiro há que criar hábitos que os cidadãos teimavam em não aprender e aceitar, dado que toda a gente sabe que fumar pode provocar Cancro ao fumador e não fumador, mas não é por isto que não deixavam de fumar e pior ainda teimavam em fumar em sítios em que não o deveriam fazer tais como escolas, faculdades e etc., fruto de uma má educação característica de nós Latinos.

Atenta bem nesta frase que é da minha autoria e que reflecte o que penso sobre isto: A Autonomia Privada é um cão de raça perigosa que necessita que o seu Dono tenha sempre a Trela posta no animal para evitar que este cometa atrocidades características da sua natureza volátil.

Quanto á actuação da ASAE, esta sempre actuou assim e continuará a actuar, o que acontece neste momento é que tem um maior seguimento mediático do que tinha dantes ou não vivêssemos nós num triste País onde a Comunicação Social conta um conto e acrescenta sempre um ponto.

Mas deixo aqui os meus parabéns aos teus textos pois á boa maneira Americana tu fazes aquilo que a sociedade deveria fazer, contestar para que se mude e se informe.

Saudações Portistas!!!

P.S: Só para que fique bem assente, a contestação que a sociedade Norte Americana faz ás Leis é um dos poucos pontos positivos dos USA, dado que os Cidadãos contestam as mesmas obrigando a maquina Estatal a esclarecer as suas movimentações, de resto pouco se aproveita a meu ver.

by Pedro Silva on 20 de fevereiro de 2008 às 15:24. #

no procedimento dos últimos comentários, vou ajustando o meu ao começar pela "cena" do sapo.
realmente, parece cruel, mas eu odeio todo o tipo de anfíbios.

concordo totalmente com o teu ponto de vista, pessoalmente eu aplico uma definição de estado não-intervencionista na minha ideologia, tanto política como em outras áreas.

a ASAE, apesar de absurdamente afastada da conjuntura, desapropriada em relação às estruturas naacionais e ofensiva às mentalidades, ainda é, e digo isto com igual pesar e notoriedade, a única instituição em portugal que, criada pelo Estado, funciona devidamente. e isto, esta unica e estranha qualidade, não lhe podemos tirar.

quanto à lei do tabaco, tudo o que o super dragão disse me parece correcto.

PS: sou colaborador do jornal, mas ainda não tenho permissão para ser autor... minha culpa, pela 2ºvez consecutiva apaguei o invite. se alguém puder tratar disso comigo, agradecia.
Manuel Pinto

by Manuel Marques Pinto de Rezende on 27 de fevereiro de 2008 às 21:48. #

Manuel (bem...não sei como preferes que te trate:P)

quanto à ASAE repito o que já disse: não nega méritos que tenha (que são muitos!). Simplesmente considero que não se pode tomar a parte pelo todo. Não é por uma parte da acção da ASAE ser adequada que a ASAE deve ser colada nos píncaros (expliquei isto numa resposta anterior).


Quanto ao tabaco, coloco uma questão: se, num shopping, 5% do espaço comum fosse para fumadores atentar-se-ia contra a saúde pública? ou isto será o Estado a ditar uma moral pública?

abraço

by TR on 28 de fevereiro de 2008 às 20:33. #

Iston anda tão vivo que até já recebemos comentários a dizer "your blog is very interesting...".
Então, caros tribuneiros? Onde estão vocês (e eu)?

Um abraço

by Francisco on 23 de março de 2008 às 15:55. #

E já há leitores muito honrados a reclamar comigo pela falta de actualização deste blog. Vamos a trabalhar meus senhores! ;)

by João Fachana on 11 de abril de 2008 às 14:18. #