O pastor e o rebanho.

por TR em segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Referia há tempos Pacheco Pereira, a propósito das mais recentes eleições internas do P.S.D., que assolava entre os seus militantes uma qualquer impassividade perante o que era mau. Mais, a impassividade era, em verdade, indiferença. Relembre-se o exerto, de 29 de Outubro:

Na lista dos pecados mortais inclui-se a "preguiça" e muita gente pensa que o pecado é mesmo a preguiça. Não é: o pecado mortal é a acedia que é outra coisa bem diferente. Um dos textos mais interessantes da Summa Theologica de Tomás de Aquino é sobre a acedia e por ele se percebe por que razão é um dos pecados "espirituais" mais complexos da lista cristã. A acedia é a indiferença face ao mal, uma "tristeza" face ao bem (Tristitia de bono spirituali) que mata a acção, um torpor perante uma obrigação presumida.Um dos grandes e eficazes eleitores de Menezes foi a acedia.
1. Fosse o PSD uma qualquer colectividade de bairro, o problema nem o chegava a ser. De tão circunscrita, -ora, possuíria fim específico, teria um número muito limitado de membros- não teria qualquer relevância. Sendo o PSD uma qualquer agremiação regional, a acedia passava a ser um pequeno espinho. Mas ainda de pouca dimensão, de pouco relevo para a escala nacional. Mas, na condição de maior partido da oposição, aspirando os seus líderes à titularidade de diversos cargos políticos, a dirigir a orientação do Estado, dos diversos Munícipios, Freguesias,..., a acedia no seio dos seus membros assume-se como algo de mais gravoso.
2. Estivessem apenas os ditos sociais democratas imbuídos deste espírito e já estaríamos a braços com algo de grave. Mas, dir-se-ia: A espectro político têm várias cores e tonalidades e, na borboleta em que se consubstancia, há muito mais do que o laranja... Verdade, sem dúvida! Mas o de olho atento facilmente refutaria esta afirmação,alegando que a acedia é geral.
3. Lembramo-nos do 1984 de George Orwell. No mesmo, passo a passo, numa sequência de pequenos consentimentos, o Partido (Socing) avançou para um controlo absoluto da vida social. Aos proles, os proletários, entretinha com o mais puro ócio: o vício do jogo, o vicío do alcóol, a permanente desmesura, desordem, embriaguez. De tal forma que esta mesma classe, talvez 85 ou 90 por cento da população, nem sequer ansiava pela revolta. Perdidos na sua pequenez, não ousavam erguer-se. Aos do partido, os outros 10, 15 por cento, exigia devoção estrema, entrega extrema, amor extremo.
Como alcançou esta situação? Ora, com controlo absoluto dos meios de comunicação, com assentimentos poderosos por parte da população que, passo a passo, foi entregando ao Estado o papel de grande máquina controladora da vida social. Muito mais que um Leviathan. No fundo, a autonomia pessoal foi decepada e, em seu lugar, o Estado surgiu.
4. Talvez uma imagem (de muito boa resolução, arriscaria), talvez uma parábola, 1984 chama a atenção para a facilidade com que se pode mergulhar num domínio excessivo por parte do Estado sobre a vida social. Muito mais que uma obra profética, tem o mérito de servir de instância crítica da realidade da comunidade. Podemos agora, pois, chegar ao cerne deste edíficio discursivo que temos vindo a edificar.
5. Urge, primeiro, identificar as duas premissas essenciais que permitirão a conclusão: Por um lado, o ambiente impregnado de acedia, de indiferença perante o mal. Por outro, o facto de tal ser uma condição, uma mola propulsora de uma intervenção exagerada ou, até, desmesurada do Estado em domínios que lhe deveriam estar vedados (ou com acesso altamente condicionado). Concluindo, assim, a chamar a atenção para o perigo em que estamos a mergulhar ao ceder tanto, e de tão retumbante forma, à intervenção estadual- das diversas maneiras de que se pode estabelecer. Veja-se o exemplo da ASAE, veja-se as normas de higiene a que os restaurantes têm que obedecer, não podendo os seus clientes, clara e conscientemente assentir a que o establecimento tenha um qualquer método de culinária diferente do postulado na lei. Para que um dia não seja proibido fumar dentro de casa, dar a educação que se pretende aos filhos ou, menos gravoso mas mais surreal, não poder comprar umas castanhas assadas recobertas de fuligem, por um qualquer motivo de ordem pública. Muito mais que um checks and balancies institucional releva a existência de freios e contrapesos entre o Estado e a sociedade civil, limitando esta a acção do primeiro. Para que a separação entre os dois não se consume em divórcio, ou num domínio completo do anterior sobre a última.
Coloca-se pois, o problema da autonomia privada e dos particulares perante a Administração, encabeçada pelo Estado. Tema, sem dúvida, a desenvolver.
Para quem tiver interesse, é muito clarividente a crónica de Henrique Monteiro no Expresso desta semana. O propulsor do texto que aqui se expõe. Texto que, desde há muito, clamava por ser redigido.