para matar os rechter kerl de Abril

por Manuel Marques Pinto de Rezende em domingo, 25 de abril de 2010

Muera quien quiere
Moderación
Y siempre viva
Y viva siempre
La exaltación

parte de uma canção revolucionária espanhola de 1821

Portugal comemora hoje o aniversário da reinstauração de uma democracia de modelo liberal, modelo esse cuja fórmula já havia conhecido no período político de 1851-1910.

Em 26 anos de república jacobina e 48 de ditadura, os portugueses viram-se privados das mais elementares liberdades políticas e individuais.
A imprensa definhou, ameaçada pela Carbonária ou censurada pelo Estado Novo, as instituições populares tradicionais portuguesas, como a Santa Casa, as associações de amigos, as confrarias laicas, as congregações religiosas, os clubes e as comunas, todas elas activíssimas ao longo da história, viram-se repetidamente espoliadas, controladas, direccionadas por um Estado Novo que foi totalitário mesmo sobre o património cultural, pervertendo o que havia e destruindo o potencial criativo do que se perdia.

O Português de 1910 foi o último a gozar das liberdades do Português de 2010.
No entanto, se percorrermos, durante as nossas leituras, se investigarmos, o mínimo necessário, o período político dessa altura, vemos que o Português livre da Monarquia Constitucional partilhava os mesmos males do Português da República Democrática.

Oliveira Martins, A. Herculano, Garret, A. Sardinha, O. Salazar, todos os estadistas e cientistas políticos do século XIX e XX perguntaram-se o porquê de o português, sendo livre, não conseguir coexistir com o modelo de democracia liberal.
Qual o problema?

1- Será, como afirmava L. Bloy, que os povos da área de influência cultural católica inclinados para a tendência do pélerin de l'absolut?
A democracia liberal resultou nos países protestantes porque dela resulta a necessidade de atingir compromissos.
Qualquer cedência política, no jogo partidário português, é visto como uma forma de perversão de ideologia, de traição do eleitorado, de destruição de um dogma.

A Igreja Católica é extremamente rígida em matérias de dogma. Esta cultura afectou, obviamente, a convivência social e intelectual dos povos.
O maior exemplo disso num país que foi, durante séculos, mais Católico que um sínodo ou um concílio, é perfeita e ironicamente observado no Partido Comunista Português, cuja rigidez dos seus dogmas e da sua mensagem mantiveram-se quase inalteráveis, ao contrário dos seus camaradas escandinavos, alemães e italianos.

Será a rigidez dogmática do português, a cultura da não-cedência, que perpetua este estado de insatisfação nacional, a causa da falibilidade da nossa democracia liberal, da falência das nossas instituições? Será que a "acção mecânica" da sociedade democrática, onde a uniformidade é um mal aceite entre os seus compoentes, é algo que os irreverentes latinos não aceitam?

ou será porque 2- os partidos portugueses estão mal delimitados, onde um partido de direita (o CDS) está obviamente afastado da população mais tradicional (que prefere o PSD, mais consensual, menos radical, mais preparado para o equilíbrio, mais católico) e os partidos de esquerda dividem entre si um eleitorado cada vez mais desiludido com as múltiplas alternativas?

Onde o maior partido de esquerda se vê obrigado a percorrer os corredores de corrupção e devorismo que ajudou a criar ao longo de 3 décadas e que lhe dificultam agora a realização de sacrifícios que não foram previstos na propaganda do seu programa político?

E que dizer então desta república de Abril, que renega toda a realidade histórica deste país, comparando infantilmente os republicanos de 1910 com os de 1974?
Duas concepções que, de tão contrárias uma à outra, complementam-se, pois o fim que algumas organizações políticas actuais pretendem dar ao país, usando os mecanismos de engenharia social do regime, é em tudo semelhante ao fim que algumas das organizações mais radicais estiveram a ponto de encontrar em 1910-1926.

e por último,

3- será que o principal problema português não reside no conjunto destes factores e de mais uns quantos?
Vivemos desde 1820 num país dividido, quase sempre onde os vencedores das contendas políticas humilham os vencidos.
Os liberais vexaram os burros (miguelistas), os republicanos os "talassas" (monárquicos) e os mais recentes os fássistas (muita, muita gente).

Não admira que se comemore o 25 de Abril nas bases doutrinais de um regime que apaga um outro, mais liberal e mais estável, e que só recentemente recuperamos algumas características.

O 25 de Abril continua a ser a marcha das forças políticas que foram derrotadas nos anos posteriores da revolução, mas que foram religiosamente mantidas nos cargos políticos.
Perpetua a indecisão que este povo vive desde há muitos anos, e a divisão que no seu seio afasta cada vez mais os cidadãos.
Do interior conservador ao lit0ral liberal, do norte da propriedade privada ao sul da reforma agrária do PREC, Portugal mostra cada vez mais conviver mal com uma histórica política que, em menos de 100 anos, viu quase todas os regimes plausíveis serem postos em prática.
Será sinal do nosso dogmatismo, do nosso individualismo político, que faz com que a arena política seja terreno demasiado feroz para os nossos melhores cidadãos, e se tenha convertido antes no pasto fértil e parasitário da canaille das Jotas/Partidos, Seitas, Templos e Lojas?

Laski aponta 2 características fundamentais para um sistema democrático parlamentar:
1- um sistema bi-partidário e
2- um background comum de referência, uma linguagem comum entre os dois partidos.

Em Portugal, os dois partidos dominantes não partilham coisa alguma (muito menos o seu eleitorado) , apesar de fazerem poucas coisas diferentes, e há tantas semelhanças entre o CDS e o PSD como entre o PS e o BE.

No entanto, Abril trouxe-nos um tipo de democracia que desconhecíamos desde há vários anos:
a "democracia social".

Apesar de a noção de colectivo rarear na vida pública portuguesa, ela é fervilhante na sua sociedade civil.
Desde a actividade académica, que está transformada num empreendimento empresarial quase-autónomo em várias universidade do país, até às associações de acção social de imensos particulares, tudo me leva a crer que Abril abriu os olhos aos portugueses para a formação de uma nova Tradição, de um novo apreço pelo próximo, de um novo sentimento de comunidade.
Apagou-se o bairrismo exacerbado e estéril do Estado Novo e inauguraram-se novas associações de moradores, novos clubes, novos bairros, novos hábitos.

A política altamente exclusivista em Portugal - aberta apenas ao jogo do Partido - contrasta com o nosso associativismo, onde todos participam verdadeiramente.
Se males temos visto na nossa sociedade civil, produto do egoísmo daqueles que se dizem muito igualitários, deve-se também a uma elite política que vive do parasitismo do cidadão, da máxima do "dividir para reinar".

Abril tem um espaço na nossa vida social, e tem uma função na nossa história.
Primeiro, porque foi um golpe sem homens de grande moralidade (retirando o exemplo de Salgueiro Maia e alguns poucos mais), sem homens de verdadeiro intelecto ou visão política estonteante, rapidamente dominado pela burguesia recém-politizada.

Mas é bom é ser livre. E se assim o somos, foi porque Abril, feito por homens como todos nós, deixou aos portugueses a liberdade de ser como eles são.




esta música, de L. Cília (na minha opinião o melhor dos cantores de intervenção de Abril, sem dúvida aquele cujas músicas ultrapassam mais facilmente o discursozinho dos vampiros e das manhãs que estarão para vir) é certeira na definição da indecisão que os Portugueses sofreram nos fins dos anos 60, no início dos 70, e em qualquer altura da nossa vida pública desde há 200 e poucos anos.