por Inês P. em domingo, 21 de fevereiro de 2010

Imagine-se a seguinte situação: vocês estão num autocarro cheio de gente, que é repentinamente obrigado a interromper a sua marcha, porque entrou numa rua onde há um acidente. Perspectiva-se uma grande demora; as pessoas, impacientes, esticam os pescoços por cima das cabeças dos outros, tentando ver a chapa batida, o aparato, talvez até o sangue dos feridos. Ao vosso lado alguém suspira "Vou chegar atrasado outra vez!". Vocês olham o inquieto, sorriem-lhe e dizem "Também eu". E pronto, estão lançados os dados para uma longa conversa, que se prolonga até o autocarro poder passar e um de vocês chegar ao seu destino. "Adeus! Boa sorte", e lá vai à vida dele, e vocês à vossa, e nunca mais o vêem.
É-vos familiar? É natural. Mas o que está em causa não é a conversa em si, mas sim a familiaridade repentinamente estabelecida com um perfeito desconhecido e que morre logo ali. E no caso de um dia mais tarde o reencontrarmos, o mais provável é não o reconhecermos, principalmente se esses episódios estiverem separados por muito tempo. Se assim é, se esquecemos a cara e a voz do outro e fica só a lembrança de uma conversa agradável, quantas vezes já não teremos reencontrado as mesmas pessoas, mas vendo-as sempre sobre prismas diferentes, como se fosse sempre a primeira vez? E até que ponto já não teremos conhecido antes as pessoas que conhecemos agora, mas não nos lembramos de as termos conhecido nunca? Provavelmente a minha melhor amiga hoje é a mesma rapariga que virou as pipocas em cima de mim no cinema há cinco anos atrás, sem eu me lembrar disso. Às tantas fiz castelos na areia da praia quando era pequena com uma rapariga de quem não gosto hoje. E com um jeitinho, o rapaz que os destruiu à gargalhada ainda há-de ser o dono de um dos nossos corações.
"A tua cara não me é estranha".
"Hmm... já não te vi em algum lado?"
"Acho que conheço essa cara!"
Mas não passa disto. Meras suposições, possibilidades indefinidas, nada mais. E seremos sempre assim, eternamente de olhos vendados, talvez sob a vigilância risonha do Criador, divertido com a ignorância das suas formiguinhas. Quem sabe?

2 comentários

Graaaande post. Fez.me sorrir :)

by Inês on 22 de fevereiro de 2010 às 21:34. #

também a mim =)

by Angelina on 6 de março de 2010 às 19:08. #