Freedom cannot be given, one must choose it for himself.
As nações modernas podem lidar de duas formas diferentes com a democracia:
1- assumem que a decisão da maioria é uma solução consertada entre as diferentes forças do país, entre os diferentes interesses dos diferentes grupos, e que de todas essas hipóteses, muito provavelmente, sairá a decisão menos má - ou mesmo a pior. No entanto, essas nações assumem que a política depende de um esforço honesto de todos em aceitar as diferentes opiniões dos diferentes indivíduos e das diferentes colectividades.
Os países de cultura protestante estão habituados à diversidade. Luteranos, presbiterianos, católicos, puritanos, calvinistas - todos tinham diferentes interesses, todos tinham os seus direitos na participação cívica e política do país.
2- assumem que a democracia é uma busca pela Verdade. Este tipo de visão é visível nos países de cultura católica. Não tendo ligações intelectuais lógicas com o teor do catolicismo (que, não sendo expressamente anti-democrático, despreza a imersão do sujeito no Common Sense) os países latinos são dominados pela crença católica da Verdade.
A Verdade, no jogo democrático, faz por uma mera oposição de números. O Partido que conseguir conduzir mais eleitores às urnas não ganha o direito de conduzir a discussão política sobre determinado tema, tendo em conta a importância dos outros partidos. Isso é o que se passa nos outros países.
Na nossa cultura, a democracia é a Verdade, não a Conciliação. Assim sendo, quem perde as eleições, quanto mais se opõe, mais se afasta da Verdade. São a Mentira.
Isso explica a cultura de ódio da política moderna portuguesa. Executada quase sempre por partidos democráticos. É a Humilhação na psique portuguesa.
Após a vitória dos liberais, em 1834, viveram-se abusos vergonhosos à propriedade eclesiástica e laica dos opositores ao novo regime. A Monarquia Constitucional levou vários anos (duas décadas, para ser mais preciso) a Conciliar os ódios de liberais e legitimistas. Alguns pensam que terá sido essa luta conciliadora (e consequente ódio) a perder a Monarquia para os republicanos.
A queda da Monarquia Constitucional em 1910 trouxe para Portugal mais um pouco desta cultura de Verdade, e mais Humilhação da parte vencida.
Prenderam-se padres, monárquicos, socialistas, sindicalistas, fecharam-se jornais, abateram-se opositores à carbonária e ao Partido Republicano Português, e no fim abateram-se os membros da Carbonária e do PRP.
Todas as reformas sociais (separação da Igreja e do Estado, lei do divórcio e do casamento, etc.) encetadas no tempo da Iª República (e que serviram de justificação para o golpe revolucionário que destronou uma instituição nacional primordial, danificou o Estado de Direito e deitou abaixo um regime constitucionalista e parlamentarista que poderia ter analisado as mesmas questões - lá está, a mentalidade da Verdade, e a vontade de Humilhar pela Força os que não partilham da mesma Verdade) foram feitas em Ditadura.
A República legislou em Ditadura porque, dominada pelo PRP de Afonso Costa, incorporava a Verdade: os católicos, monárquicos, socialistas, e outras forças políticas relevantes da altura não eram a Verdade.
Com o fim da política, manteve-se em Portugal a cultura da Humilhação. A Humilhação do Estado Novo, ao proibir que os intelectuais se juntassem em sociedades secretas, o desprezo pelo parlamentarismo e pelo liberalismo político, etc.
Mais uma vez, ausência de diálogo. Simples Verdade versus Mentira.
O actual Portugal democrático não é diferente.
A concepção portuguesa da política é neandertaal, é própria de povos de nações primitivas (se isto não é ofender esses povos, que provavelmente são mais civilizados na sua cultura política que nós).
Um partido em Portugal, representante de uma Ideologia ou grupo de interesses, luta pela Maioria Abosluta não como objectivo político, mas como luta pela sobrevivência.
Apela-se à mudança de prioridades na hora do voto para não conceder votos à tribo inimiga, ao partido mais oposto - o jogo democrático passa de Conciliação a União pela Verdade - as diferentes tribos unem-se para partilharem do ódio contra outra.
Uma vitória democrática não é apreciada em Portugal se não vier com o Poder Total. O Poder Total deve ser usado para "foder" os Outros.
O consenso parlamentar é uma quimera. Portugal é um país de ódio, onde uma parte odeia a outra, e a que odeia mais, geralmente, tem mais votos.
Este ódio cego chega na hora de esquecer as próprias regras da democracia.
Mais de 90mil assinaturas foram apresentadas, recentemente, no Parlamento, a apelar à realização de um referendo sobre uma lei recentemente levada à Assembleia (e aprovada).
Num tempo em que a nova UE instiga os cidadãos europeus a apelar aos órgãos comunitários para participarem na política interna europeia, parte da sociedade civil une-se para apelar a uma decisão nacional sobre um tema.
Sendo que em 1998 um pequeno partido de esquerda foi eleito com 132mil votos, pela primeira vez elegendo 2 deputados e avançando com várias medidas para referendar o mais variado tipo de coisas.
Esse mesmo partido, agora bem mais poderoso, desdenhou com repulsa a proposta de 90 mil cidadãos.
Esses 90mil cidadãos estão fora da Verdade. E a Verdade, na verdade, resume-se à agência política do interesse predominante. Estavam na tribo errada.
Enquanto houver tribos, não há Portugal, nem portugueses, nem europeus, nem cidadãos.
Há ódio, e esse há aos montes.
PS: sobre a dita proposta, devo dizer que sou contrário há lei aprovada nesse dia. Mas também sou contrário ao referendo.
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