por Inês P. em domingo, 20 de dezembro de 2009

A lotaria implica noção do risco, ambição e desejo de ascender a algo mais. Esta aqui é especial.

Os candidatos a este prémio sabem, à partida, que só muito dificilmente o seu bilhete será o sorteado. Digamos, em abono da verdade, que neste jogo nem sequer o bilhete sorteado é garantidamente o que receberá o prémio, uma vez que a mínima mudança de circunstâncias poderá fazer com que este já não lhe seja atribuído. Se à inicial probabilidade mínima de ser escolhido acrescermos o enorme risco de o prémio poder escapar-nos das mãos, então seríamos tentados a pensar "Para quê apostar, se as possibilidades de ganhar o sorteio e o prémio são tão ínfimas?"
Mas não. O facto que leva tanta gente a arriscar, a apostar incansavelmente, mesmo conhecendo essa quase impossibilidade de ganhar, é esse prémio, um prémio tão incrivelmente fantástico, tão maravilhoso, que encerra em si tantas promessas de felicidade, que não há poder humano que faça os candidatos desistirem. Nesse jogo entregam o seu corpo, a sua alma, a sua vontade e a sua paz de espírito, ardendo na esperança de ser finalmente escolhido, de conseguir atrair até si essa boa Fortuna, de ver finalmente o seu flamante desejo satisfeito.
E falham. Inexoravelmente, toda a esperança cai por terra, a alegria da entrega desmaia, a luz da cobiça desaparece dos olhos. Falham. E recriminam-se, auto-analisam-se, procurando em vão qual o motivo pelo qual a boa sorte lhes fugiu mais uma vez entre os dedos... e a frustração cresce, frustração por não ser capaz, frustração por não ter poder para chegar a esse prémio, que desejam a toda a prova...
E eis que uma nova centelha de esperança rebrilha, e mesmo depois de apostar tudo, cansados, acabrunhados pela derrota, conseguem iludir o desespero para mais uma vez se entregarem por inteiro a esse jogo diabólico, forçando a vontade, como o navio que de novo desfralda as velas para se lançar à aventura no alto mar, mesmo depois de milhentas tempestades e aventuras.
O bilhete volta à tômbola, e irremediavelmente é deixado de fora de novo. Poderá, um dia, ser premiado. Poderá, mas a hipótese é tão infinitesimal que nada se pode dar por garantido. Pode ser hoje, pode ser na próxima semana, pode ser daqui a sete anos, pode ser nunca. No entanto, mesmo conhecendo o risco do jogo e a mágoa que deste resulta, os candidatos continuam a apostar, a apostar febrilmente, não se importando de perder, pelo caminho, a sua inocência, a sua confiança nos outros, a sua paz interior. Porque eles sabem que no dia em que deixarem de apostar, a própria vida perde o sabor, na medida em que perderam o seu mais importante valor - a Fé.

4 comentários

Uau. Gostei muito!

by Francisco on 20 de dezembro de 2009 às 16:17. #

Eu também gostei :)
Parece que há uma série de lotarias na nossa vida.

by Sara Morgado on 20 de dezembro de 2009 às 18:08. #

damn... odeio chegar tarde aos comentário :p era para dizer que também gostei :)

by D. on 20 de dezembro de 2009 às 18:50. #

Jorge Luís Borges tem um conto muito bonito sobre lotarias ;)

by Street Fighting Man on 21 de dezembro de 2009 às 16:42. #