Paz&Espada

por Manuel Marques Pinto de Rezende em terça-feira, 6 de outubro de 2009

Fogachos da História - Contribuições para um estudo sério da história social e política portugueza

Rui Ramos, historiador,

Nesse sentido, o processo de republicanização não foi obra da revolução de 1910 mas da chamada "revolução liberal" da primeira metade do séc. XIX: foram os liberais que reduziram o rei a um chefe de Estado com poderes definidos por uma constituição e que estabeleceram em Portugal o princípio do Estado de Direito e as instituições e cultura da cidadania.
Na prática, os liberais fizeram da monarquia constitucional o que eles referiam como "uma república com um rei", isto é, uma comunidade de cidadãos livres com um chefe de Estado dinástico. A Câmara dos Pares estava aberta a todos os que satisfizessem requisitos legais que nada tinham a ver com o nascimento. A Igreja ainda era oficial (como, aliás, nas repúblicas desse tempo) mas havia liberdade de consciência e estava previsto o registo civil.
Nesse sentido, se as comemorações de 2010 visam celebrar o fim da monarquia constitucional, governada pelos liberais, estaremos então perante uma festa reaccionária para vitoriar o fim de um regime que trouxe as instituições do Estado moderno, a extinção das ordens religiosas, o Código Civil e o maior eleitorado, em termos proporcionais, antes de 1975?
Em 1910, é verdade, a monarquia constitucional estava em grandes apuros. Tinha uma classe política desacreditada e incapaz de assegurar bom governo e o jovem rei D. Manuel II era atacado por quase toda a gente, da direita e da esquerda. O Partido Republicano Português, um movimento sobretudo lisboeta, conseguira criar um sério problema de ordem pública que a monarquia constitucional nunca poderia ter resolvido sem se negar a si própria, tornando-se num regime repressivo, o que a sua classe política não podia aceitar. Quando o PRP resolveu tentar a sua sorte, em Outubro de 1910, subvertendo a guarnição de Lisboa, quase ninguém apareceu para defender o regime.
Tudo isto é verdade. Mas se o objectivo é celebrar a morte de sistemas políticos apodrecidos, ignorando o que se lhe seguiu, não deveríamos comemorar também o 28 de Maio de 1926, que pôs fim a um regime desacreditado?