Fora de horas

por D. em domingo, 25 de outubro de 2009

Agora que o tempo quente parece ter de vez feito as suas malas, voltam-se a abrir-se certas gavetas e portas de armários que estavam fechadas. Saem aquelas pequenas coisas que quando o calor lá fora aperta, não precisam sequer de adornar os pescoços ou tapar os braços ou cobrir bem os pés para não se morrer de frio. Fecham-se de vez outras gavetas que só se vão abrir daqui a muitos meses e começa-se a fazer contas aos retratos e postais escritos durante o verão. Nos blocos perdidos pelas secretárias e outras gavetas encontram-se coisas e notas sobre coisas que se deveria ter feito dentro daquela época específica. Existe porventura a tentação de riscar as que foram cumpridas, mas muita coisa ficou por fazer. E recorda-se o último banho de mar, quando ainda havia calor e se estava numa costa muito longe das águas geladas que aqui nos banham. E talvez devessem ter sido mais as tardes a ler livros nos jardins de múltiplas línguas que o palácio oferece, deitados sobre a cidade. E é sempre bom regressar à cidade que serve de base para todas as outras e caminhar sem horas no pulso pelas ruas e por todos os edifícios onde se tem vontade de entrar. Os cafés juntos de turistas e sempre o rio a servir de banda sonora a gargalhadas que se dão em grupo.

Talvez no verão se sorria mais. Também se dorme mais e se tem mais tempo para fazer aquelas coisas de que se gosta mesmo. Muitos voltam para casa e pode-se de novo viver coisas que já não se faziam há muito tempo. O pior de tudo é que o inverno nos rouba os pôr-do-sol com cores variadas e garridas. Traz a noite ainda mais cedo. E embora um dia cresça, todos os outros ficam mais pequenos e a seriedade volta aos nossos lábios. As mãos e os pés ficam frios e a cama torna-se um convite ainda mais agradável. Quase não há vontade de fazer nada que implique sair de casa, e os filmes saltam das prateleiras para serem vistos. Mas às vezes até disso há preguiça. Tal como de pegar nos livros e ler.

São sempre preguiçosos os primeiros dias que antecedem a chegada do inverno.