#26 às terças, quase como acaso

por TR em terça-feira, 21 de abril de 2009

DO POBRE B.B.
1.
Eu, Bertold Brecht, sou das negras florestas
Minha mãe resolveu pelas cidades andar
Comigo no ventre. E o frio das florestas
Até à morte me há-de acompanhar.
2.
A minha casa é a cidade do asfalto. Desde o início
Apetrechado com os sacramentos da morte:
Com jornais. E tabaco. E aguardente.
Desconfiado, sorna, e no fim com sorte.
3.
Sou amável com as pessoas. Até ponho
Chapéu de coco, como elas gostam de usar.
Digo: Têm um cheiro especial estes bichos
E digo: não faz mal, o meu não é melhor.
4.
Nas minhas cadeiras de baloiço, de manhã,
Às vezes um bando de mulheres faço sentar
E olho para elas descuidado e digo:
Com este aqui não podem vocês contar.
5.
À noitinha reúno homens à minha volta
Por "gentlemen" nos vamos tratando.
Eles põem os pés nas minhas mesas
E dizem: Vamos melhorar. E eu nem pergunto: Quando?
6.
Cedinho ainda, no pardo amanhecer, os abetos mijam
E a passarada, os seus parasitas, começa a gritar.
A essa hora bebo um último copo na cidade e deito
Fora a beata e, inquieto, vou-me deitar.
7.
Fomos vivendo, nós, leviana geração,
Em casas tidas por indestrutíveis.
(Assim construímos os altos caixotes da Ilha de Manhattan
E, para divertir o Atlântico, as antenas flexíveis.)
8.
Destas cidades ficará o que as atravessou: o vento?
A casa alegra quem come...e a esvazia.
Sabemos que somos meros transeuntes
O que depois virá é de pouca valia.
9.
Nos terramotos que aí vêm, espero
Não vou deixar apagar o meu virgínia, amargurado
Eu, Bertold Brecht, vindo das florestas negras pr'as cidades de asfalto
E em tempos no ventre de minha mãe pr'aí lançado.

Bertold Brecht, tradução João Barrento
apud livro leitura (?) "Tambores da Noite"

2 comentários

Menos confuso, Tiago ;-)?

by LN on 22 de abril de 2009 às 15:08. #

Sim, comparando com a peça, o poema é uma clareira sem mistério :)

by TR on 23 de abril de 2009 às 09:24. #