O 'puto Zé Manel'

por Inês em quinta-feira, 19 de março de 2009

Saiu de casa com 11 anos. 'Juntou-se' com 15. Teve 'tudo e agora não tem nada'. A ex-mulher morreu em Agosto. Estavam separados há 23. Ainda gosta dela. Nunca mais se vai apaixonar. 'Com isto, até ganhei pavor às mulheres'.
Fala com segurança, numa voz quente e forte, com uma desenvoltura que até desarma. É moreno, olhos expressivos. Usa uma t-shirt branca e corrente de ouro com uma cruz. Não admira: é 'católico, de uma família católica, de padres e de freiras'. Quando era miúdo, tinha o ritual de lhes pedir a benção e beijar o crucifixo. Se o primo que era cónego fosse vivo, ele não estaria assim, garante. 'Há padres que sabem encaminhar as pessoas..'.
Nasceu vadio, mas orgulha-se de 'nunca ter sido cadastrado'. Correu todas as casas de correcção e fugia sempre. Um dia escondeu-se num contentor em Campanhã e foi parar a Sta Apolónia. Ficou por lá. É do Porto, mas desses tempos passados no sul ficou-lhe a pronúncia. Lá chamam-lhe puto Zé Manel; aqui é conhecido por Lisboa.
Voltou para casa da mãe já as sobrinhas eram grandes. Tentou ser tio, se até viviam na mesma casa, mas um dia 'a Martinha' deu-lhe uma resposta torta e ele fez as malas e foi embora. Agora, ela é a sobrinha que mais o apoia. 'Não é, Raquel? É muito querida, a Martinha', diz com um sorriso.
Não é que seja desprezado pela família: só não se sente bem com ela. 'Sou um fugitivo', conclui.
Ponho-lhe a mão no ombro, mas só me apetece abraça-lo. 'Sr. Zé, um dia posso escrever a história da sua vida?', pergunto quase baixinho. Ri-se e não me responde. É natural - geralmente fala calado.

Um comentário

Gostei sim.
E mais uma vez obrigado por me teres dito que o Guilherme terno e sensivel não é assim tao assustador. :)

by Guilherme Silva on 19 de março de 2009 às 23:50. #