#19 às terças, quase como acaso - O Carnaval

por TR em terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Hoje é Carnaval.
Quis eu perceber o que era este dia, iniciando uma profunda reflexão.
Eis, pois, o meu método: chamei a minha memória e comecei a recordar tudo o que já ouvi ou vi sobre o Carnaval durante a minha vida.
Encontrei um formal ponto de apoio: o Carnaval é o dia anterior à quarta-feira de cinzas, que inicia a Quaresma, quarta-feira essa que dista 40 dias da Páscoa. E que no Carnaval as pessoas fazem asneiras, como dizem às crianças, coisas que nos restantes dias do ano não podem fazer. Pois, mas isto não quer dizer muito…Nós no Natal também fazemos coisas diferentes dos restantes dias do ano, tal como no Ano Novo ou, melhor, no dia dos nossos anos.
Por isso, comecei a recordar as imagens do Carnaval que tinha na minha mente:
1. Lembrei-me do Carnaval brasileiro, para muitos (principalmente para os que para lá viajam) o melhor do mundo, e não consegui deixar de pensar em como, cinco séculos depois, aquelas gentes de Vera-Cruz evoluíram apenas no sentido de cobrir um pouco das suas vergonhas. Ouçamos as palavras do ilustre Pêro Vaz Caminha, para que não caiam no olvido!
“Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si. E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.(…) Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiçoe as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.!”
Nesta terra ninguém se disfarça, a malta dança.
2. Depois lembrei-me do Carnaval de Veneza, para muitos outros o melhor do mundo, principalmente para os que lá vão, e pensei em como os italianos gostam da arte da dissimulação. Sempre que vejo imagens dessa festinha concluo em como aquilo parece um jogo de subtilezas para todos os que o vêem, e que valerá tanto como-qualquer-outra-coisa para os que andam com aquelas máscaras coladas ao rosto, ou então com um pequeno pauzinho a segurar.
3. O meu périplo carnavalesco não consegue largar as festas portuguesas. Anteontem ouvi na televisão que Torres Vedras tinha o Carnaval mais português de Portugal. E a memória diz-me que o de Ovar (ou será o da Mealhada?) é o mais brasileiro desta terra. Ora, a primeira consideração deixa-me com o pé atrás...o que é isso de ser o mais português de Portugal? É ser o mais tradicional? Mas isso não eram os caretos de trás os montes que, tanto quanto sei, tiveram para desaparecer, não fosse a realização de um filme de Noémia Delgado, e que só existiam nos meses de Dezembro e Janeiro? Faz lembrar a revista "tradicional", também essa deve ser o espectáculo teatral mais português de Portugal. E o zé povinho o português mais português de Portugal. E tudo isto o disparate mais disparatado dos disparates, porque nada quer dizer. Quanto ao outro, ao Carnaval abrasileirado nesta terra, parece-me uma infeliz ideia, pois a cada três em quatro anos devemos ter meninas engripadas, por ignorarem que no nosso meridiano o Verão chega um pouco mais tarde.
4. As minhas reflexões sobre o Carnaval que, pretensiosamente profundas, roçaram a mais obsessiva superficialidade, levam-me a concluir que este dia é um momento em que as pessoas devem divertir-se. É este o ponto de união entre tudo. Desde as professoras da primária a disfarçarem os seus pupilos de pinheiro e de carro para circularam pelas ruas principais da vila, ao jovem que vai no metro a contar "é pá, nem sabes, há uns anos vesti-me de gaja e foi demais! uiii...no outro fui à doutor, com estetoscópio e tudo, mas não curti nada...", aos pais babados que disfarçam a bebé de 7 meses de abelha, sabendo lá ela o que é um animal.
Eu, confesso, não vejo especial magia neste dia. O turbilhão de cores e de fantasiosas tradições não me puxa para a rua. Por isso, logo passarei a tarde a cantar baixinho, a jogar às cartas ou, porventura, a dar uma espreitadela à janela para ver o cortejo passar.
Bem, isso talvez não...

2 comentários

Feliz “acaso” o de o Carnaval calhar à Terça-feira. :-)

by Anónimo on 25 de fevereiro de 2009 às 20:56. #

é verdade! Melhor acaso ainda o de por acaso todos os carnavais que de ora em diante chegarem serem às terças...nada é inócuo! :P

by TR on 26 de fevereiro de 2009 às 09:17. #