#17 às terças, quase como acaso

por TR em terça-feira, 20 de janeiro de 2009

CEREJAS
Aquele fora, até então, moço de namoricos de muitas ordens, dos que não gostava de andar de mãos vazias. Só assim ganhava ânimo para o trabalho, esse vil dever que lhe preenchia os dias com tarefas que repudiava. Quem o visse, ficava sempre surpreso com a variedade de senhoras que trazia ao lado. Vinha uma com as andorinhas, outra com o solstício de verão, outra quando as andorinhas partiam, sempre a rodar. As senhoras passeavam ao seu lado e ele, de bom grado, passeava-se com a senhora que, de entre aquelas, mais lhe aprazia.
Sempre fora assim, até à hora em que a Maria surgiu. Se era bonita? Sim, pode-se dizê-lo. Não era nenhuma rapariga de revista, como aquelas com quem tantas vezes se envolvera. Também não era soberbamente bem composta. Nem simpática como tantas…Mas pronto, picou-o, e quando deu em si já não largava a cabeça de pensar nela. Pior ficou quando descobriu que ela já andava à sua cata há uns meses. Dali tinha de sair qualquer coisa. Meia dúzia de dias, umas quantas palavras lançadas e pronto, já estavam um com outro.

Passeavam-se pelo povoado ao domingo, de braços dados e cheios de sorrisos e histórias um para o outro. Quando se cruzavam com alguém sorriam e conversavam um pouco, para logo continuarem caminho. Depois iam para os montes
- Vamos ver o horizonte
Diziam eles, e voltavam já noite feita, com o crepúsculo passado e resguardado.
Até que um dia, encruzilhadas que na vida há, se desentenderam. Ele, com palas como um burro, não deu o braço a torcer; e a Maria, orgulhosa até aos ossos, ofendidíssima, jurou não o querer mais por par. E voltaram a fazer-se à vida.

Que metamorfose se deu entretanto naquele homem! Já não pegava moças com a facilidade de outrora, nem o queria fazer. Falava com esta, com aquela, e nada, eram todas umas sonsas de narizes tortos, aquilo não lhe servia, e o tempo assim vogava, devagar, devagarinho, até que conheceu a Joana, com quem finalmente engraçou.

Um dia, ao sair da igreja, viu de novo a Maria, que lhe dirigiu a palavra.
- Então, ouvi dizer que já te serviste
- Já não era sem tempo. É verdade.
- Já lá vão 3 anos... É boa rapariga?
Ele, procurando sopesar as palavras, não conseguiu naquele momento de fraqueza deixar de dizer o que lhe assomava à voz, com um toque de nostalgia
- É. Quase tanto como tu eras.

Metendo o chapéu a cabeça, virou a cara à Maria, que ali ficara embasbacada, e seguiu pelo caminho para casa saboreando a leveza que sentia, pensando tão somente em como seria bom tragar umas cerejas frescas e rubras.

Um comentário

caraças... que bonito, Tiago. Não sei se é também por estar com uma banda sonora muito própria (Depeche Mode) a zumbir nos ouvidos, mas este texto tocou-me muito fundo...
Não deixes de nos dar Marias, Joanas e... Amor.

by Francisco on 20 de janeiro de 2009 às 13:30. #