O violino

por Anónimo em quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

"O violino decidiu cantar, cada nota de som tão vibrante ecoava na cabeça de quem ouvia dando-lhes vida; o violino decidiu chorar e cada som melancólico conseguia roubar os sorrisos de quem ouvia, tirando-lhes vida. O violino decidiu parar e o caos instalou-se no seio dos pobres homens que o ouviam.

Nasceram orações, nasceram crenças, nasceram pedidos de uma ressurreição do mesmo. O violino tornou-se imortal, como símbolo de um Deus que comandava o Homem mediante os seus acordes harmoniosos, belos ou hediondos e pérfidos.

O violino conspurcou com a necessidade o coração frágil dos homens e dividiu-os: aqueles que somente souberam reconhecer o tom hármonico do seu canto e aqueles que somente tiveram o privilégio de ouvir a solidão melancólica de quem morre pelo Tempo. Tal divisão, transformou-se num combate lógico, onde argumentos e argumentos escorriam ora a favor ora contra. Os homens excitados com tal discussão, fizeram religiões opostas, apenas pelo prazer de defender o canto que outrora souberam apreciar.

Assim, o Tempo foi passando, as religiões enraizadas já não tinham justificação e a rivalidade cristalizada nos olhos de cada pessoa repercutia-se num ódio tão grande mas tão grande pelo outro, que já não se devam ao privilégio de argumentar, apenas de se atacar mutuamente.
O ódio cresceu, foi falado e tornou-se algo material. O ódio nascera do coração dos pobres homens que já não sabiam o porquê da fé inicial, apenas sentiam inconscientemente uma necessidade existencial de gritar, de magoar, de ser agressivo para com o seu "diferente".

Todavia, nem tudo era mau, tínhamos os mais pomposos e sábios da nação que sabiam continuar na luta lógica, na dança eterna da argumentação e contra-argumentação; enquanto, os mendigos se matavam nas ruas, os anciãos discutiam com mestria (mal sabiam eles que estavam vendados pela cegueira, pela surdez e mudez; de sábios apenas tinham um título, apenas um título, pobres coitados!)

Daqui agitamos as asas e voamos, tal como uma bela pomba branca, para podermos percorrer o Espaço: saímos da Assembleia, fugimos das ruas cinzentas e aterramos nas planícies verdes onde um homem chorava. Tinha à sua frente uma pá com que vagorasamente abria a terra, mas desistira de tal tarefa. "Um dia quis criar um império, alicerçado no amor, na simpatia, na bondade e fraternidade; a tristeza venceu-me, tratava-se de utopia; tentei explicar tal, tocando, cantando para os meus homens e para os seus filhos... Eles apenas quiseram racionalizar tudo, esqueceram-se de sentir e criaram-se as divisões. Das divisões a guerra, da guerra o ódio e deste a minha lágrima." Dito isto, enterrou uma pequena caixa preta que guardava um apodrecido mas outrora belo e iluminado violino."

henrique maio - end 08

"a ideia cristaliza-se no tempo, congela-se, vive, é intemporal..."

(oh, les jours tristes: TEMPO, ESSENCIAL, CORAÇÃO, EU, OS OUTROS; o violino ainda teima em ecoar na minha cabeça, mas a lágrima já é tão forte que afasta a harmonia...)

aditamento: AMOR!!!

3 comentários

Gostei muito.

by Francisco on 31 de dezembro de 2008 às 12:50. #

mesmo muito bonito :)

by TR on 31 de dezembro de 2008 às 18:30. #

De facto, excepcional.. :)

by Cláudia Isabel on 18 de abril de 2009 às 18:54. #