#14 às terças, quase como acaso

por TR em terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Para não tirar os louros a um dos mais belos posts aqui já colocados, fica o link: post do Guilherme, de 2ª feira.

Escrevo já depois de passada a primeira parte deste dia, com demasiado tempo para escrever, ou seja, para pensar. Ouvi, de manhã, numa música: para decir-te lo que nunca canto, para cantar-te lo que nunca digo. O mesmo com a escrita. Escrevemos o que não falamos, dizemos o que não escrevemos. E, quer num, quer noutro registo, pensamos. Resultado é este: duas entradas numa terça.

0. É muito curioso como escrever num blogue se pode, por vezes, revelar um acto profundamente solitário, mais até do que escrever num diário. Neste, sabemos sempre que haverá leitor: a nossa pessoa, em dias vindouros. Naquele, em que a escrita tem, por natureza, um destinatário que não o autor, nunca sabemos aquilo com que o futuro nos brindará. Apenas intuímos que quanto mais inusitadas, diferentes, longas ou más sejam as palavras utilizadas, maior a probabilidade de lançarmos um discurso ao ar. E, contudo, estamos a depositar um escrito num dos mais abertos dos espaços: onde, potencialmente, a propagação do texto pode ser amplíssima.

1. Ao ver as imagens que o Guilherme colocou sobre Pinhel e, mais ainda, os comentários, notei curiosas características da Fotografia. É disso que falarei.

2. Quando o observador vislumbra as fotos, não reflecte – nem é suposto que o faça – sobre a história que lhe deu origem. Muito curioso é, a este propósito, o filme “Flag of our fathers”, de Clint Eastwood, que gira em torno da história de um grupo de soldados fotografado a colocar uma bandeira americana no topo de um monte japonês, naquela que viria a ser das mais conhecidas imagens da 2ª guerra mundial. Na foto vemos heroísmo, emoção, coragem. Afinal, vemos aquilo que queremos ver. Que os aliados, “o nosso lado”, lutam, em face de toda a adversidade, para erguer uma bandeira que representa a sua causa. Todavia, ao acompanharmos o desenrolar do filme, vemos que aquele foi um entre vários momentos que se sucederam, e não uns instantes em que aqueles soldados conscientemente decidiram
“vamos fazer história”
Foram aqueles, como podiam ser quaisquer outros – parece que na guerra os soldados são coisas fungíveis –, foi a foto daquele momento, o carregar no botão da máquina do fotojornalista, que perpetuou o momento, e foi um povo que queria ver algo assim, a simbolizar, acima de tudo, esperança. Uma simples sucessão de acasos que tornou aqueles homens heróis.

3. Quando viajamos não vislumbramos qualquer momento como depois o vimos a fazer ao olhar a fotografia. Na hora em que a foto capta o instante, não conseguimos distingui-lo daquele que veio a seguir, ou do anterior. Toda a noção do valor do tempo é, aliás, deveras complexa…Acima de tudo, dela só temos noção depois de o tempo passar. Daí que não acredite haver actos insitamente heróicos. Essa consideração advém de um juízo valorativo feito ex post, uma comparação desse facto com outros desse tempo. E assim nasce a magia da fotografia: consegue apreender um instante que, no momento em que foi vivido, não tinha autonomia face aos restantes. Ou seja, dá-nos algo de novo. Permite-nos ver um instante num período de tempo muito superior a esse.

4. Assim, torna-se curioso ver como as fotos contam histórias. Por vezes, depois de fazermos uma viagem que nos apraz e não registamos qualquer momento, ficamos a lamentar não o ter feito. Mas, quando deixamos de aproveitar o momento para tirar uma foto ou escrever uma palavras, estas já não contam a história do momento (um homem a escrever ou a fotografar), mas uma outra história (aquilo que o autor quer legar ao futuro). Outras vezes, encontramos fotos excelentes para más viagens, e a inversa. Há contudo, fotos que reflectem – que fazem jus – à história de onde nascem.

5. É o que acontece em Pinhel: as fotos demonstram o que aquilo foi, mesmo que não demonstrem o que “aconteceu”. Pelo que disse, há que concluir que as fotos valem pelo que contam e pelo que escondem. Veja-se como, para quem foi, nas fotos em que aparecem os miúdos, fica escondido o frio que fazia na rua, o termos chegado àquele espaço como desconhecidos, com outro sotaque, o estado em que o prédio se encontrava e, como, para todos, ali se demonstra o lado bom desse período: como os pequenos ficaram à vontade connosco, já a fazerem poses para a imagem. A foto conta uma história, e o melhor que esta tem; no caso, o seu lado quente.

6. Curioso, ainda, que o que mais me impressionou ao ver as fotos foi a ideia de que eu podia ter gostado de Pinhel por aquilo, mas não foi por tal que gostei. O melhor, sem dúvida, foram as pessoas: o Guilherme e o Canotilho e, noutra dimensão, a sua avó. Quanto a Pinhel… é uma cidade bonita em si, não há dúvida. Parece brotar na terra, não se sabendo, por vezes, onde acaba o campo e começa a urbe. Vê-se musgo gasto pelo devir, sente-se o fumo dos fogões acesos, cheira a pão e a amarelo. Parece viver-se com o tempo, a compreender o tempo, a saborear o tempo. Como o Guilherme colocou nas páginas do Tribuna, citando pessoas de Pinhel, “tudo acaba”. De facto, tudo passa, excepto a terra.

7. As fotos, afinal, acabam por contar uma história próxima de tudo isto: os vários ângulos da torre do castelo, a azeitona, a árvore, a imensidão do horizonte, a casa velha, a humanidade a fervilhar naqueles miúdos e nos, passe o eufemismo, seios da senhora do calendário.

Para além de ter nomes sem fim, provou o Guilherme ser homem de ofícios vários: para além de fotógrafo, repórter-em-viagem, possível marketeer da Câmara Municipal de Pinhel (ou da Falcão, E.M.), agora afigura-se-nos, mais uma vez, como um belo contador de histórias, desta feita em fotografias.

2 comentários

Obrigado.

by Guilherme Silva on 30 de dezembro de 2008 às 23:19. #

Concordo em pleno com o ensaio aqui feito sobre a Fotografia. Penso muitas vezes nisto: uma fotografia, essa captação instantâea, tem o poder de funcionalizar um momento, uma expressão, um sentimento. Ou melhor: a fotografia dispões do poder de ser funcionalizada por quem a vê conforme a sua imaginação. E para quem de alguma forma estava presente na altura da fotografia, quer esteja ou não nela, o factor Nostalgia é poderosíssimo. Um sorriso que na altura foi cansado e fatigado surge depois, quando atentamos na fotografia, como um sorriso lânguido, complacente, sonhador, quiçá. Não sei se me fiz entender tão bem quanto o Tiago se fez; de qualquer das formas serve este comentário essencialmente a função de dizer que revi muitos dos meus pensamentos no escrito do Tiago.

Um feliz ano novo.

Um abraço.

by Francisco on 31 de dezembro de 2008 às 13:00. #