VI

por Anónimo em sábado, 8 de novembro de 2008

Tem sido comummente aceite, aquando da destrinça entre o animal Homem e os restantes animais o critério da Racionalidade. Todavia, tal critério é tão frágil pois bate-se com um contra-argumento bastante forte (porém hiperbólico) – sendo o homem animal racional, o que seria deste animal racional se não pudesse sentir?! Ou seja, até dentro da Racionalidade (esta considerada em latíssimo sensu) há que categorizar, assim sendo, ao presumir que o Homem é um ser racional, vemos que tal não é por si só suficiente, visto que essa mesma racionalidade tem que ser engrandecida por outro critério: o homem enquanto ser consciente do mundo que o rodeia (consciente, por conseguinte da existência de algo exterior a ele).

Há quem afaste a questão da sensação, mas é presumível dizer-se que um animal não sente dor ou que não geme por essa mesma “dor”? – Pode-se afirmar que não é a Dor racional do Homem, mas sim uma Dor Instintiva, todavia tenho em mim que tal presunção cai no campo do ridículo, ou melhor é uma simples tentativa se fugir a esta mesma questão.

Hipoteticamente, um homem a quem tivessem “roubado” os sentidos, ou seja que não pudesse ouvir, cheirar, tocar, ver e por aí adiante, mas que pudesse à mesma racionalizar (pensamento), viveria? Pode-se contra-argumentar da seguinte forma: é necessário distinguir os casos em que o homem teve contacto social e os casos em que não teve antes dessa mesma perda de sentidos; se não teve é porque (e assumindo que a racionalidade “pensada” é característica fulcral para aquilo que somos) esse homem nunca foi em si Homem; se teve entramos no campo da excepção e da mera hipótese, visto que tal homem acabaria por sentir ou racionalizar a dor mesmo não tocando, ouvindo, cheirando, etc. … O que se supõe, por exemplo, que um simples animal também faça quando geme e, assim, traçamos um paralelo deveras precioso entre Homem e Animal e voltamos a entrar no campo da Dor Instintiva. Note-se que esta contra-argumentação peca ao afirmar que esse homem nunca tinha sido Homem o que incorre numa falácia grave.

Mais, esta situação hiperbólica não deve ser tratada como excepção, visto que o “homem” que não sentisse, não falasse e por aí adiante, esse mesmo homem caíra na verdadeira solidão, só que mesmo esta racional/pensada solidão tinha um problema não poderia ser comunicada, como tal seria ignorada e, mais que isso, acabaria por não existir. Assim, desloca-se do campo das características essenciais do homem o ser RACIONAL, visto que se esse homem, a quem a sensação fosse algo estranho, pensasse dor, pensasse no seu sofrimento, mas terceiros em contacto com o mesmo não o pudessem entender estaríamos diante e, admitir sempre a racionalidade, de uma situação néscia, visto que aceitava-se que esse homem fosse racional, mas negava-se os seus pensamentos sobre a dor e, por corolário a existência destes.

Numa tentativa rápida de solucionar tal problema haveria quem remetesse para uma entidade metafísica os pensamentos deste homem e como tal no Real esses mesmos não existiriam… Creio que é de todo impossível aceitar esta interpretação, pois teríamos que deduzir por conseguinte da mesma, que os animais tidos como não racionais também o poderiam ser nesse patamar transcendente, certo?

Aliás, problematizando um pouco mais seria de admitir que esse homem devido à falta de sentidos não saberia quando entraria ou não em contacto com outrem, assim seria um mero animal irracional, não? Visto que até o instinto lhe estava negado pelo facto de não poder prever a aproximação de uma ameaça… Em último caso, poderemos até estar a descrever uma simples “coisa”, um objecto, é aceitável?

Irónica esta caminhada: começamos no Homem Racional, passamos ao Homem Instinto e, por último transformamos esse mesmo Homem em objecto, em algo inferior a um qualquer animal irracional…

Todavia, cairíamos em erro se concluíssemos desta forma… Há que elucidar, portanto, a separação entre dois tipos de racionalidade: Racionalidade, enquanto pensamento (a tal já referida racionalidade “pensada”) e Racionalidade enquanto comunicação do mesmo. Só a segunda é que é característica fundamental própria da essência humana. Caindo na ideia e, essa sim, intocável que o Homem só é Homem enquanto ser social.

A Racionalidade enquanto pensamento por si só não chega para justificar o qualificativo a um animal de Homem, nem a um homem de Homem…

Nota: contra-argumento interessante à Racionalidade social (ou enquanto comunicação do pensamento): a associabilidade do Homem e, como exemplo, o Emílio de Rousseau (que não sendo social, não deixa de ser Homem); numa próxima oportunidade, refutarei tal…

henrique maio