Nove horas e dez minutos:
Duarte acabava de entrar nas instalações do G.O.E., quando foi puxado por um homem. Duarte olhou para quem o puxava. Reconhecia-o, era o velho Magalhães.
- Magalhães! Ainda andas por aqui?
- Sim, é o meu último dia. A um dia da tão esperada reforma. Tomas um café?
- Claro.
***
O Café onde Duarte e Magalhães entraram estava à pinha, como era normal naquela hora do dia. No entanto, conseguiram sentar-se numa mesa, ao fundo, com duas cadeiras vazias. Quase que parecia ter sido deixada vaga de propósito para os dois. Duarte chamou o empregado e pediu dois cafés cheios. Magalhães iniciou a conversa:
- Então Duarte, como vais? Como está a tua mulher e filho?
- Estão bem. Não tenho estado muito em casa, infelizmente. Gostava de conseguir passar mais tempo com o meu filho. Mas vai-se andando como se pode, não é? E a tua mulher?
- Vai bem, tão contente como nunca a vi em quase cinquenta anos de casamento! Deve ser por eu me ir reformar!
Magalhães soltou uma gargalhada, mas depressa essa gargalhada foi abafada por um silêncio pensativo. Duarte inquiriu:
- O que é que se passa, Magalhães?
- Hum, nada Duarte, nada. – Respondeu Magalhães, acordando do pensamento.
- Vá lá, conta-me o que é que te estava a preocupar.
- Bem, não é uma preocupação. Estava-me a perguntar o que é que será a minha vida daqui para a frente.
- Será uma boa vida, espero.
- Muito melhor do que esta, tenho a certeza. – Magalhães soltou um suspiro. – O que me inquieta é que passei demasiado tempo aqui, tempo demais. Pergunto-me se serei capaz de me desligar disto, de ver tranquilamente uma notícia na televisão de um sequestro sem fazer nada de todo. Vai ser difícil.
- Hás de ultrapassar isso, tenho a certeza.
O empregado voltava à mesa com os dois cafés em cima da bandeja. Pousou-os na mesa e afastou-se. Duarte pôs o açúcar. Magalhães não.
- Já te disse imensas vezes que o açúcar estraga o café.
- Não consigo evitar. – Duarte riu-se.
- Há quanto tempo fazes parte do G.O.E?
- Dez anos. Já é algum tempo.
- Tempo suficiente. Devias sair agora, Duarte, a sério.
- Não te estou a compreender.
Magalhães fez um breve silêncio, após o qual disse:
- Não compreendas então. São as palavras de um gajo que já andou aqui muito tempo. As palavras de alguém que se soubesse o que sabe hoje tinha saído muito mais cedo, reformar-se antecipadamente como muita gente faz.
Na televisão do café viam-se as notícias do dia. Falavam do habitual debate quinzenal da Assembleia da República. O tema escolhido, pela oposição, era sobre Segurança. Magalhães olhou para a televisão e riu-se:
- E os morcões do Parlamento hoje vão zurrar sobre Segurança… Falar para estar calado, é o que é, Duarte! Este país está uma valente merda. Sacrificamos a nossa segurança, a nossa vida familiar, os nossos amigos, para quê? Para cada vez estarmos pior. É cada maluco que por aí aparece a querer-se barricar, a assaltar bancos, a matar gente…E por mais esforço que um gajo faça, isto continua cada vez mais…
Tenho uma história para te contar, Duarte. Era eu ainda um polícia de ronda, quando numa noite assisti a um assalto em flagrante. Um rapaz, para aí de 18 anos, a tentar roubar a carteira de uma velhota. O rapaz tirou-lhe a carteira e correu. Eu corri atrás dele e lá o consegui apanhar, mas ao tentar agarrá-lo empurrei-o contra uma parede. Ele bateu violentamente com a cabeça numa zona mais bicuda da parede e acabou por morrer com um traumatismo craniano. Senti-me mesmo mal na altura. O inquérito contra mim foi arquivado, afinal aquilo tinha sido um acidente, mas não me deixei de sentir culpado por ter deixado aquilo acontecer ao rapaz. Hoje penso que ainda bem que isso aconteceu. Se ele não tivesse morrido naquele dia, hoje provavelmente estava a assaltar bombas de gasolina, ou pior, a matar pessoas. Infelizmente a vida fez-me ver que um homem criminoso por mais que queira nunca deixará de o ser. E torna-se cada vez mais perigoso. A nossa profissão é tão ingrata, Duarte. Basicamente tentamos fazer com que criminosos não levem um tiro da polícia.
- Nós tentamos é fazer com que os reféns não morram.
- Pois, isso era o que eu pensava na tua idade. Não, nós tentamos fazer com que os criminosos vivam. Se eles baixarem as armas é uma vitória. Se eles levarem um tiro, é uma derrota. Os reféns sempre foram secundários. Infelizmente a realidade é assim.
- Não concordo.
- Não concordes então. Vais ver com os teus próprios olhos. Se não for hoje, vai ser amanhã. Haverá um dia em que tu vais ter consciência que o que está no centro das tuas atenções não é a vida dos reféns, isso é secundário. O que está no centro das tuas atenções é impedir que o sequestrador morra. Essa é que é a verdade.
Duarte olhou para o relógio. Eram quase nove horas e meia.
- Tenho de voltar. – Disse.
- Eu também. Ainda tenho algumas coisas para empacotar.
- Magalhães! Ainda andas por aqui?
- Sim, é o meu último dia. A um dia da tão esperada reforma. Tomas um café?
- Claro.
***
O Café onde Duarte e Magalhães entraram estava à pinha, como era normal naquela hora do dia. No entanto, conseguiram sentar-se numa mesa, ao fundo, com duas cadeiras vazias. Quase que parecia ter sido deixada vaga de propósito para os dois. Duarte chamou o empregado e pediu dois cafés cheios. Magalhães iniciou a conversa:
- Então Duarte, como vais? Como está a tua mulher e filho?
- Estão bem. Não tenho estado muito em casa, infelizmente. Gostava de conseguir passar mais tempo com o meu filho. Mas vai-se andando como se pode, não é? E a tua mulher?
- Vai bem, tão contente como nunca a vi em quase cinquenta anos de casamento! Deve ser por eu me ir reformar!
Magalhães soltou uma gargalhada, mas depressa essa gargalhada foi abafada por um silêncio pensativo. Duarte inquiriu:
- O que é que se passa, Magalhães?
- Hum, nada Duarte, nada. – Respondeu Magalhães, acordando do pensamento.
- Vá lá, conta-me o que é que te estava a preocupar.
- Bem, não é uma preocupação. Estava-me a perguntar o que é que será a minha vida daqui para a frente.
- Será uma boa vida, espero.
- Muito melhor do que esta, tenho a certeza. – Magalhães soltou um suspiro. – O que me inquieta é que passei demasiado tempo aqui, tempo demais. Pergunto-me se serei capaz de me desligar disto, de ver tranquilamente uma notícia na televisão de um sequestro sem fazer nada de todo. Vai ser difícil.
- Hás de ultrapassar isso, tenho a certeza.
O empregado voltava à mesa com os dois cafés em cima da bandeja. Pousou-os na mesa e afastou-se. Duarte pôs o açúcar. Magalhães não.
- Já te disse imensas vezes que o açúcar estraga o café.
- Não consigo evitar. – Duarte riu-se.
- Há quanto tempo fazes parte do G.O.E?
- Dez anos. Já é algum tempo.
- Tempo suficiente. Devias sair agora, Duarte, a sério.
- Não te estou a compreender.
Magalhães fez um breve silêncio, após o qual disse:
- Não compreendas então. São as palavras de um gajo que já andou aqui muito tempo. As palavras de alguém que se soubesse o que sabe hoje tinha saído muito mais cedo, reformar-se antecipadamente como muita gente faz.
Na televisão do café viam-se as notícias do dia. Falavam do habitual debate quinzenal da Assembleia da República. O tema escolhido, pela oposição, era sobre Segurança. Magalhães olhou para a televisão e riu-se:
- E os morcões do Parlamento hoje vão zurrar sobre Segurança… Falar para estar calado, é o que é, Duarte! Este país está uma valente merda. Sacrificamos a nossa segurança, a nossa vida familiar, os nossos amigos, para quê? Para cada vez estarmos pior. É cada maluco que por aí aparece a querer-se barricar, a assaltar bancos, a matar gente…E por mais esforço que um gajo faça, isto continua cada vez mais…
Tenho uma história para te contar, Duarte. Era eu ainda um polícia de ronda, quando numa noite assisti a um assalto em flagrante. Um rapaz, para aí de 18 anos, a tentar roubar a carteira de uma velhota. O rapaz tirou-lhe a carteira e correu. Eu corri atrás dele e lá o consegui apanhar, mas ao tentar agarrá-lo empurrei-o contra uma parede. Ele bateu violentamente com a cabeça numa zona mais bicuda da parede e acabou por morrer com um traumatismo craniano. Senti-me mesmo mal na altura. O inquérito contra mim foi arquivado, afinal aquilo tinha sido um acidente, mas não me deixei de sentir culpado por ter deixado aquilo acontecer ao rapaz. Hoje penso que ainda bem que isso aconteceu. Se ele não tivesse morrido naquele dia, hoje provavelmente estava a assaltar bombas de gasolina, ou pior, a matar pessoas. Infelizmente a vida fez-me ver que um homem criminoso por mais que queira nunca deixará de o ser. E torna-se cada vez mais perigoso. A nossa profissão é tão ingrata, Duarte. Basicamente tentamos fazer com que criminosos não levem um tiro da polícia.
- Nós tentamos é fazer com que os reféns não morram.
- Pois, isso era o que eu pensava na tua idade. Não, nós tentamos fazer com que os criminosos vivam. Se eles baixarem as armas é uma vitória. Se eles levarem um tiro, é uma derrota. Os reféns sempre foram secundários. Infelizmente a realidade é assim.
- Não concordo.
- Não concordes então. Vais ver com os teus próprios olhos. Se não for hoje, vai ser amanhã. Haverá um dia em que tu vais ter consciência que o que está no centro das tuas atenções não é a vida dos reféns, isso é secundário. O que está no centro das tuas atenções é impedir que o sequestrador morra. Essa é que é a verdade.
Duarte olhou para o relógio. Eram quase nove horas e meia.
- Tenho de voltar. – Disse.
- Eu também. Ainda tenho algumas coisas para empacotar.
2 comentários
isto ganha contornos de argumento de filme...
bom trabalho!
by Manuel Marques Pinto de Rezende on 24 de novembro de 2008 às 23:43. #
Fachada Moita Flores! Remarkable!
by Freddy on 25 de novembro de 2008 às 10:57. #
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