ANARQUIA

por João Fachana em domingo, 5 de outubro de 2008

Sete horas e vinte minutos:

O Sol ainda se escondia quando Duarte acordou. O despertador ainda não tinha tocado, mas Duarte já se tinha habituado a acordar sem o seu barulho, nos seus vinte anos de carreira como negociador no Grupo de Operações Especiais (G.O.E.) da PSP. O seu trabalho aumentava de ano para ano. Era a escalada de crimes, dizia-se. Tudo começara desde aqueles dois brasileiros que haviam assaltado o banco de Lisboa, depois surgiram o assalto às bombas de gasolina, ourivesarias... Nem a nova lei das armas quebrara o ritmo destes novos crimes. O culminar desta nova onda de violência dera-se com o que ficou conhecido como o "massacre de Odivelas". Aí o GOE não interveio a tempo, morrendo quer os assaltantes quer os cinco reféns do banco, numa grande explosão que ninguém percebeu ao certo como tinha sido iniciada.
O despertador tocou às sete e meia e Duarte desligou-o logo. Levantou-se e deu um beijo na testa da mulher, que se encontrava ainda a dormir. Saíu do seu quarto e dirigiu-se a outro, em frente. Abriu a porta e ligou a luz.
- Toca a acordar, Salvador. - Disse.
O seu filho, de treze anos, mexeu-se por breves momentos na cama, esfregando os olhos de seguida.
- Vá lá, já passam das sete e meia, não queres chegar atrasado à escola.
- Está bem, pai. - Resmungou Salvador, saltando com um pulo da cama.
Duarte voltou ao seu quarto, à casa de banho, fez a barba, tomou um duche. Olhou para o mar, pela pequena janela a beira do chuveiro. O Sol começava a surgir no horizonte. Duarte estava inquieto. Tinha a impressão que este ia ser mais um daqueles dias...
***
Duarte conduzia o carro, com Salvador a seu lado, a caminho da escola do filho.
- Fizeste os trabalhos de casa? - Perguntou.
- Sim, pai.
- A tua mãe corrigiu-tos?
- Sim, pai.
- Não te esqueças de te arranjar ao fim da tarde, vamos jantar à avó, que ela faz anos.
- Sim, pai.
Duarte calou-se. Viu que o filho não estava muito interessado na conversa. A vida no G.O.E. deixava-lhe muito pouco tempo para estar com ele. Hoje poder levá-lo à escola era uma sorte. Não censurava o comportamento de Salvador. Afinal de que maneira diferente poderia o filho reagir a um pai ausente?
Eram quase oito horas quando chegaram à escola. Duarte ia dar um beijo na cara do filho, mas este esquivou-se:
- Olha que estão ali colegas meus, pai.
- E depois? Sou teu pai.
- Oh pai, mas fica mal.
- Pronto, pronto, vai-te lá embora.
- Até logo, pai. - Disse Salvador, saíndo do carro e fechando a porta.
- Salvador, a tua mãe vem-te buscar às cinco da tarde! - Gritou Duarte pelo vidro aberto da porta do carro. Mas Salvador ja ia longe, correndo para dentro dos portões da escola.
E, de repente, voltava a Salvador a inquietação que o havia invadido no chuveiro...

3 comentários

Fico à espera do próximo episódio... :-)

by Duarte on 6 de outubro de 2008 às 04:10. #

João fachana com um tipo de escrita a que ja nos habituou e que é bastante bom :D

by Anónimo on 6 de outubro de 2008 às 11:11. #

Admito que também aqui estarei na próxima semana... é a sede do querer saber mais sobre a vida dos outros!

by Luísa on 6 de outubro de 2008 às 22:31. #