Instinto da Acção

por Duarte em terça-feira, 30 de setembro de 2008

«A fé é o instinto da acção» - Bernardo Soares/Fernando Pessoa in Livro do desassossego

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Ideias várias e variadas em temas me ocorreram para este retomar às lides da blogosfera, oceano binário em que tantos se perderam e outros um destino encontraram. Desde muito cedo, por volta do ano de 2003, que acompanhamos este mundo "blogueiro", do qual fomos ao princípio descrente. Julguei-o moda passageira. Cheguei mesmo a ver ser descrito em aulas um conceito que então surgia com os blogues - "umbiguismo" - relativo à proliferação dos blogues pessoais cheios de intimidades da vida de cada um. Não contávamos nós, no entanto, que a blogosfera conseguira um tão raro milagre: tornar-se não só campo de devaneios pessoais mas espaço de debate e reflexão. A boa moeda, neste caso, ganhou à má moeda. E hoje, meia década passada da sua "explosão", a blogosfera tornou-se campo fértil de troca de ideias e reflexões.
Este blog do Jornal Tribuna, assim nós o esperamos, deverá estar aberto a essa troca de ideias e opiniões, funcionando como um complemento ao Jornal que lhe dá o nome e que em cada final de semestre se encontra distribuído pelos corredores da FDUP e não só. Esperamos que aqui nasçam ideias, que se acendam debates, para além das notícias e reportagens sempre pertinentes que o grupo do Tribuna oferece à Faculdade.
É, assim, não só para mim mas também para o grupo do Tribuna, um novo começo que se anuncia, tentando sempre primar pela qualidade e pela sensatez.

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Está patente em Serralves, oásis cultural na cada vez mais culturalmente estranha cidade do Porto, uma exposição sobre a obra de Manoel de Oliveira. Paralela a esta, tem sido apresentado um ciclo de cinema em que se exibem quase todos os filmes do Mestre do cinema português e mais alguns («Visita ou Memórias e Confissões», de 1982, permanece póstumo por vontade do realizador). Na semana que agora passou, foram mostrados os filmes que constituem a tetralogia dos amores funestos/frustrados. Constituem estes quatro filmes, talvez, a"jóia da coroa" do cinema português. São obras em que o génio de Oliveira soube abrir caminhos na história não só do cinema português mas também mundial, revelando a esta arte, que começou como espectáculo de feira (mas todas as artes, à sua maneira, não tiveram no seu início uma função menos nobre), dimensões novas. De «O passado e o presente» (1972) a «Francisca» (1981), é toda uma linguagem cinematográfica que se molda de filme para filme e se aperfeiçoa. O que é o cinema para o decano dos realizadores mundiais? Como algures afirma, este não passa de teatro filmado: a câmara tem apenas como função captar (não)representações de actores que debitam o texto em cenários-palcos («Benilde ou a Virgem Mãe», de 1975, é talvez o exemplo supremo deste modo de filmar). Mas que novas dimensões procurou Oliveira para que o seu estilo não fosse considerado apenas teatro filmado, mas sim Cinema que busca dimensões mais além? Desde logo a temática desta tetralogia confronta os espectadores com dimensões que raros realizadores descobriram no cinema (a excepção será talvez Carl T. Dreyer): a palavra como "actriz" do filme, e o espírito.
Será talvez «Amor de perdição» (1978), terceira obra-prima da tetralogia, o filme que melhor constitui o exemplo das novas dimensões e invenções que o quase centenário realizador ofereceu ao cinema. De facto, em vez de adaptar o livro de Camilo (como é comum no cinema quando se pega numa obra escrita), Oliveira dá a sua "leitura" do romance, mostrando aos espectadores uma transliteração, termo usado por João Fernandes na apresentação do filme em Serralves no passado dia 27. O resultado é magnífico. Oliveira vai mesmo, em certas partes, mais longe do que o romance de Camilo, realçando aqui e ali elementos trágicos que conduzem o espectador a confrontar-se com uma outra dimensão que atravessa a tetralogia: a morte, no seu sentido físico e de libertação espiritual. Mas como é que Oliveira realça essa tragicidade? E que funções tem a soberba música de João Paes neste filme e na tetralogia em geral?...
Fica para um próximo «Instinto da acção», às terças-feiras a partir de hoje...
João Duarte Sousadias

Um comentário

Escrita de qualidade

by Inês on 30 de setembro de 2008 às 12:30. #