Sobre o referendo- breve reflexão

por TR em quarta-feira, 4 de julho de 2007

Temos na realidade que é a nossa uma questão que tem vindo a suscitar diversas posições e, sem dúvida, imensos diferendos: a legitimidade da aprovação de uma possível Constituição Europeia por via daquele que é o primacial órgão representativo dos cidadãos – a Assembleia da República. Não pretendemos neste espaço aferir a real necessidade de uma Constituição formal Europeia, qual o conteúdo que a mesma deveria conter, se, no actual contexto, a mesma é um imperativo. Tão-somente reflectir sobre o modo de aprovação da mesma.
A Constituição Europeia corresponde a uma necessidade de formalizar algo. Surge como um elemento legitimador da realidade política europeia. Mais do que um qualquer diploma inovador – toda e qualquer alteração aos órgãos políticos europeus poderia ser efectuadas de outra forma – , a Constituição Europeia corresponde à necessidade de, face ao ponto a que a integração europeia chegou (com os seus constantes recuos e passos ao lado, com as vozes dissidentes que do seu seio emergem…), dar um novo fulgor à comunidade, um novo ponto de partida, um grande salto rumo à constituição de um super estado dotado de uma constituição (seja ele uma Federação, Confederação, ou outra qualquer figura jurídica ainda não encontrada).
Nesse sentido, como aprovar tal constituição? Façamos um raciocínio silogístico: (i) a Constituição Europeia é material e formalmente uma Constituição. (ii) Diz-nos Gomes Canotilho que o poder constituinte é o poder de o povo “através de um acto constituinte criar uma lei juridicamente ordenadora da ordem política”, entendendo-se tais leis como fundamentais. (iii) De onde se pode aferir que a aprovação do documento em análise é da competência do já referido poder. Em democracia tal parece ser evidente.
Ora, acontece que, também em democracia, a soberania reside no povo. Povo esse que, no momento constituinte original, poderá eleger os seus representantes na elaboração da constituição. Acontece que, na realidade presente, nos encontramos perante um grande diferendo: Urgindo aprovar ou rejeitar a Constituição Europeia é necessário apurar qual o melhor método de chegar a uma conclusão vinculativa.
Por um lado, argumenta-se que a Assembleia da República tem legitimidade para tal: os seus representantes foram eleitos por sufrágio universal e directo. Por outro, a profundidade do conteúdo da Constituição Europeia sugere que estamos perante a necessidade de invocar o poder constituinte. E, não sendo os deputados eleitos para o exercer em nome do povo (apenas o foram nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1975), tal extravasa o elenco das suas competências.
Haverá uma possibilidade de, democrática e legitimamente, aprovar o tratado constitucional: referendando-o. É verdade que o referendo polariza e chega a antagonizar posições. Origina debates muitas vezes estéreis, radicalizados, improdutivos. No entanto, quando perante duas realidade imperfeitas, dever-se-á escolher a que melhor e mais justamente se adaptar ao caso em concreto. E, no caso sub iudice, parece ser mais justo um referendo – imperfeito, polarizador,… - do que uma aprovação por decreto de uma lei fundamental para os anos vindouros. Argumente-se que a mesma é para bem de todos, é vital para a evolução da Europa, é para a realização do grande modelo europeu. Replique-se igualmente: longe vão os tempos pretensamente demofílicos, em que o soberano (a soberania residia no monarca) governava para o dito bem comum, para lá da vontade do povo. Por certo uma lei poderá ser essencial para a evolução do projecto europeu, mas uma lei fundamental, uma lei constitucional, merece ser aprovada pelo povo (dada a relevância da Constituição), só ele terá legitimidade para confirmar.
Longe vão tais tempos demofilicos, mas a história da construção europeia parece querer resgatá-los: por um lado, um constante despeito pelo povo que, cada vez mais, parece apenas pretensamente soberano; por outro, um grupo de indivíduos que se considera legitimado para decidir qual o bem comum, que parece não encontrar entraves à sua acção, nem competência que lhes não pertença. Ainda estarão, como Mirabeau, pela vontade do povo? Talvez baionetas não os travem – também longe vão tais tempos de constante ebulição e ruptura constitucional; mas frente ao voto, o poderoso voto, poderiam baquear.
A Constituição Europeia não deverá passar sem ser por referendo. Tão-somente, por respeito à democracia, ao povo.
Como será aprovada ou rejeitada? O tempo o dirá.

5 comentários

Desde já um bem haja pelo teu 1.º post Tiago! Que se repitam muitos ;)

Quanto ao tema do post, acho que deve haver referendo, por razões pedagógicas e de legitimação de algo que nos vai nortear a todos! Se o debate vai ser ou não infrutífero depende de como ele for conduzido! E eu acho que não devemos ter medo do debate e que falar sobre as questões europeias nunca é caso perdido e nunca deve ser entendido como estéril...

by White Castle on 4 de julho de 2007 às 22:30. #

Antes de haver ou nºao referendo é necessário haver um esclarecimento global sobre o que é a Europa e o que se quer aprovar com o novo tratado...
Pois caso contrário teremos um referendo com 30 % de participação, e a razão da aprovação pela pronuncia do Povo português na sua maioria que o referendo consagra cairá por terra!

by João Fachana on 5 de julho de 2007 às 22:32. #

Viva Tiago! Gostei muito deste teu primeiro Post, os meus parabéns por teres abordado um tema tão actual.
Quanto á questão do Referendo, sendo eu um acérrimo defensor da Democracia sou totalmente a favor da realização de Referendos sobre assuntos de extrema importância nacional e esta questão da Constituição europeia é um destes assuntos, portanto a meu ver aprovar esta temática sem consultar o Povo será uma violação grave dos espírito democrático que nasceu e cresceu entre nós desde o 25 de Abril de 74...
Quanto á Constituição Europeia deixo desde já aqui a minha opinião; sou totalmente contra, pelo menos no futuro imediato, dado que todos os Países que aderiram á União Económica e Monetária sofreram um forte abalo nas suas economias e independência nacional, abalo este que se reflectiu muito nas populações, dai que se falarmos na Constituição Europeia ás populações estas rejeitarão imediatamente a ideia dado o trauma que passaram e ainda passam por causa do EURO... Não creio que a Europa se desenvolva com a criação de um grande Estado Federado, antes pelo contrario iríamos criar uma Europa onde os mais fortes governariam, como é o caso da Alemanha e da França e os mais fracos como Portugal seriam marginalizados... Deixemos o tempo passar, pois a construção Europeia tem sido sempre progressiva e lenta até hoje e se apressarmos este processo corremos os sério risco de destruir tudo o que se fez de bom até agora a nível das Comunidades/União Europeia...

Saudações a todos!!

Marquês was here!!

by Pedro Silva on 6 de julho de 2007 às 16:13. #

"Não creio que a Europa se desenvolva com a criação de um grande Estado Federado" .... Caro Sargento, também não é isso que se pretende, a não ser os defendores duma ilusão federalista, que na maior parte das vezes, ao invés de ajudarem no desenvolvimento duma Europa unida, têm contribuído para dissidências...

by White Castle on 6 de julho de 2007 às 22:08. #

Viva cara White Castle. É verdade que os defensores de uma Europa Federada em nada contribuem para o crescimento e desenvolvimento da Europa Unida, mas se reparar e estiver atenta ao que se passou ultimamente nas chamadas reuniões informais entre os Estados Membros da UE, vai aperceber-se que umas das grandes conclusões que saíram destes encontros foi o de retirar do texto que será a futura Constituição Europeia os Símbolos Federalistas, sendo eles: a Bandeira e o Hino... Mas a meu ver isto não chega, pois uma outra grande questão que é o da participação em igualdade de todos, repito, todos os Estados Membros, nos órgãos deliberativos deste grande Estado que se pretende criar, dado que um dos impasses que ainda ficou por resolver foi a questão do nº de representastes que serão eleitos pelos cidadãos dos Estados Membros para estes orgãos deliberativos (uns são defensores da relação nº de população/Deputados e outros não, alegando o tal poderio bicéfalo Franco-germanico)...
E para terminar devo relembra-la das lições de Dto. Administrativo e deve recordar-se melhor do que eu de que uma Constituição é a Lei Orgânica de um Estado, assim apelidada por muitos Autores e grandes nomes da área, ora se vamos criar uma Constituição Europeia, obviamente que nascera um enorme Estado que vai envolver um nº de Estados, ou seja um grande Estado Federado composto por outros Estados...Por mais voltas que se de vai-se bater no mesmo. Portanto permita que discorde consigo e lhe diga que se trata de uma Realidade Federalista que no contexto actual Europeu ninguem quer aceitar ou então tem muitas reservas, dai que eu acho que devemos deixar estar as coisas como estão e dar tempo ao tempo, para que as pessoas se possam habituar ás grandes alterações que houveram e para que não se venha a destruir tudo aquilo que de bom se fez a nível da UE/CE... Não tenhamos pressa, porque a Europa não se uniu num só dia, tem sido um processo gradual e muito lento e é bom que assim se mantenha para o bem de todos nós cidadãos Europeus!!!

Saudações a todos mais uma vez!!

Marquês was here!!

by Pedro Silva on 7 de julho de 2007 às 03:48. #