Boas tardes!
Como não foi possível colocar este texto na secção d' Opinião dos Alunos, da edição de Maio, aqui vai o texto do João Fachana.
O AUTOCARRO
Uma caricatura de nós mesmos, “portuguesinhos” de gema
Na paragem o dia começa cedo. Pouco passa das sete e pico quando se ouve o primeiro veredicto: “O ‘carro tá atrasado outra vez!”. “É sempre a mesma coisa, nunca chegam a horas! E a gente paga cada vez mais! Ora bolas!”.
Pouco depois chega o autocarro e, para não variar, vem cheio. Ou melhor, quase cheio, que não sai ninguém naquela paragem, mas os que estão para entrar ainda conseguem encher o livre espaço de aragem. Após um breve sermão encomendado ao motorista por se ter atrasado (como se ele fosse Deus e conseguisse afastar todo o trânsito da sua frente) dá-se o jogo do empurra, das cotoveladas, dos “Oh senhor deixe passar que eu quero sair!”, “Oh menina tenha calma que isto dá para todos!”, “A senhora saia-me da frente!”, “Eh, não empurre! Para onde julga que quer ir?”…
E é de encontrão em encontrão que o motorista faz uma travagem brusca, um camião meteu-se na frente sem avisar e ele não tinha remédio senão travar. “Oh motorista, tenha calma, não vê que vão pessoas de pé?”, diz um passageiro que quase batia com o nariz no chão. Ao motorista apetece-lhe responder “Oh morcão, se eu não travasse, batíamos contra um camião!”, mas cala-se, inspira fundo e continua o seu trabalho. A paragem seguinte é uma paragem central e a “lata de sardinhas” retorna à figura de um autocarro normal. Os ânimos parecem estar menos exaltados. Só que, nisto, chega um homem de muleta que começa a resmungar. É que uma senhora está sentada no seu lugar! Estão vários lugares vazios mas ele teima e continua, a senhora que saia, que aquela cadeira não é a sua! A senhora desiste, mas sem antes dar duas de letra ao homem que apelida de perneta. O motorista, com tanto barafustar dos dois, nem ouve a campainha tocar. E um pouco depois de passar a paragem lá vai o coitado ouvir a mensagem: “Oh motorista, olha a porta de trás! Está surdo o homem!”
A carreira está prestes a terminar, finalmente o motorista vai poder descansar, no entanto sem antes ouvir duas velhotas a comentar: “E esta, parece que o Sócrates não é engenheiro…” “Como é que algum dia o podia ser, se sempre foi um mentiroso a tempo inteiro?” “Ai como isto está. Vamos de mal a pior! No tempo de Salazar… No tempo de Salazar é que era…” Era o quê? Ela não sabe… Mas que alguma coisa era, era era…
E acabou. O motorista pode finalmente relaxar nos cinco minutos que restam antes do próximo turno começar…
O Autocarro é o exemplo perfeito do retrato do nosso Portugal. Toda a gente diz mal, toda a gente crítica, toda a gente tem a solução ideal. Mas na hora da verdade toda a gente se deixa levar pelo autocarro e o único que trabalha é… O motorista!
João Fachana
Uma caricatura de nós mesmos, “portuguesinhos” de gema
Na paragem o dia começa cedo. Pouco passa das sete e pico quando se ouve o primeiro veredicto: “O ‘carro tá atrasado outra vez!”. “É sempre a mesma coisa, nunca chegam a horas! E a gente paga cada vez mais! Ora bolas!”.
Pouco depois chega o autocarro e, para não variar, vem cheio. Ou melhor, quase cheio, que não sai ninguém naquela paragem, mas os que estão para entrar ainda conseguem encher o livre espaço de aragem. Após um breve sermão encomendado ao motorista por se ter atrasado (como se ele fosse Deus e conseguisse afastar todo o trânsito da sua frente) dá-se o jogo do empurra, das cotoveladas, dos “Oh senhor deixe passar que eu quero sair!”, “Oh menina tenha calma que isto dá para todos!”, “A senhora saia-me da frente!”, “Eh, não empurre! Para onde julga que quer ir?”…
E é de encontrão em encontrão que o motorista faz uma travagem brusca, um camião meteu-se na frente sem avisar e ele não tinha remédio senão travar. “Oh motorista, tenha calma, não vê que vão pessoas de pé?”, diz um passageiro que quase batia com o nariz no chão. Ao motorista apetece-lhe responder “Oh morcão, se eu não travasse, batíamos contra um camião!”, mas cala-se, inspira fundo e continua o seu trabalho. A paragem seguinte é uma paragem central e a “lata de sardinhas” retorna à figura de um autocarro normal. Os ânimos parecem estar menos exaltados. Só que, nisto, chega um homem de muleta que começa a resmungar. É que uma senhora está sentada no seu lugar! Estão vários lugares vazios mas ele teima e continua, a senhora que saia, que aquela cadeira não é a sua! A senhora desiste, mas sem antes dar duas de letra ao homem que apelida de perneta. O motorista, com tanto barafustar dos dois, nem ouve a campainha tocar. E um pouco depois de passar a paragem lá vai o coitado ouvir a mensagem: “Oh motorista, olha a porta de trás! Está surdo o homem!”
A carreira está prestes a terminar, finalmente o motorista vai poder descansar, no entanto sem antes ouvir duas velhotas a comentar: “E esta, parece que o Sócrates não é engenheiro…” “Como é que algum dia o podia ser, se sempre foi um mentiroso a tempo inteiro?” “Ai como isto está. Vamos de mal a pior! No tempo de Salazar… No tempo de Salazar é que era…” Era o quê? Ela não sabe… Mas que alguma coisa era, era era…
E acabou. O motorista pode finalmente relaxar nos cinco minutos que restam antes do próximo turno começar…
O Autocarro é o exemplo perfeito do retrato do nosso Portugal. Toda a gente diz mal, toda a gente crítica, toda a gente tem a solução ideal. Mas na hora da verdade toda a gente se deixa levar pelo autocarro e o único que trabalha é… O motorista!
João Fachana
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